Saindo do quadrado cinza



Era um dia nublado daqueles de um cinza profundo,
quando aquela esfera negra pairou sobre meu prédio.
Corri como um louco para o terraço.
Sempre fui um curioso.
Eu ainda estava muito ofegante e tentando entender o que era aquilo,
quando uma porta reluzente apareceu na superfície desse objeto.

A luz que saia dela, me forçava a fechar um pouco meus olhos de tão forte que era.
Uma luz de um azul turquesa intenso que eu jamais conseguiria traduzir em tintas.
Logo uma ponte de luz foi se materializando da porta até os meus pés.
Confesso que fiquei bastante tenso no início,
mas depois parecia que aquela luz ia me acalmando, conversando com a minha alma
e então eu relaxei.

Percebi naquele exato momento o quanto a minha vida estava quadrada,
sem graça e patética.
Percebi que eu estava vivendo em um cubo.
Vida hermética, limitada, quase uma cela, uma prisão, 
apenas com a diferença que eu tinha a chave da porta.

Como aquela cidade havia me padronizado,

Me enclausurado em pensamentos retos e pálidos,

Meus olhos que antes eram duas lanternas iluminando o meu futuro,
tinham se transformado em dois buracos fundos pelos quais a minha alma
ainda em um tênue lampejo, conseguia ver um resíduo de vida.

Eu havia passado a usar a mesma roupa que todos.
Acordava no mesmo horário padrão.
Mesmo ônibus. Mesmo assunto com as mesmas pessoas.
Tudo era igual a todos.
Eu havia secado por dentro.

Parecia um filme passando diante de mim.

Ali estava na ponta dos meus pés aquela luz serene me chamando para o desconhecido.
Aquela ponte de luz me convidando para a mudança.
Me senti por um momento um privilegiado.

Percebi aquela cidade verdadeiramente morta.
Um túmulo que havia me encerrado e me tirado o que eu era na essência.

Aquela luz silenciosamente  me convidava a entrar na esfera negra.

Dei o primeiro passo. Logo, aquela ponte de luz acalentou meus pés,
minhas pernas, meu tronco, meus braços e finalmente a minha mente.
Um alívio como há muito eu não experimentava, me tomou.
Esbocei um sorriso. Não queria que aquela sensação terminasse nunca.
A cada passo que eu dava e mais perto eu chegava da porta de luz, mais
e mais aquela alegria me tomava.

Antes de entrar de vez, olhei de relance a cidade cinza e quadrada.
Encerrada na mesmice de suas linhas retas.

O meu futuro agora pertenceria ao novo...

E finalmente a porta se fechou atrás de mim.

CM
2018

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